No décimo quinto
capítulo de Deuteronômio, temos uma imagem útil do perdão: “Ao fim dos sete anos farás remissão. Este pois é o modo da remissão: Que
todo o credor, que emprestou ao seu próximo uma cousa, o quite: não a
exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois
a remissão do Senhor é apregoada” (Dt 15:1-2). No perdão, eu libero de
qualquer obrigação e deixo essa pessoa com o Senhor. O perdão custa alguma
coisa. No caso de uma dívida, eu não sou reembolsado. Deus é o nosso exemplo:
nosso perdão custou a Ele Seu Filho amado! “Antes
sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos
outros, como também Deus vos perdoou em
Cristo” (Ef 4:32). Diante disso, podemos ter alguma razão para não
perdoar? Em Romanos 12, lemos: “Não vos
vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; Eu recompensarei, diz o
Senhor” (v. 19). “Eu recompensarei”
não se refere ao devedor, mas a nós. Embora o perdão nos custe algo, o Senhor
compensará amplamente a diferença.
O perdão é menos
sobre esquecer e mais sobre escolher não se lembrar. É útil reconhecermos isso;
caso contrário, Satanás valorizará nossas lembranças. Muitas vezes não
esquecemos – as cicatrizes podem permanecer conosco para sempre. Podemos, no
entanto, com a ajuda de Deus, optar por não nos ocuparmos mais com o fato.
Sobre Jeová, a respeito de Israel, lemos: “Porque
lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais Me lembrarei dos seus pecados”
(Jr 31:34). O perdão é uma responsabilidade que cabe a nós – o ofendido. Deus
nos mandou perdoar. É uma escolha consciente.
Achamos difícil
perdoar porque não é natural. A carne sempre resistirá ao perdão. Contudo, ao deixar
a pessoa e a ofensa com o Senhor, o fardo é retirado de nosso coração. Vemos
isso maravilhosamente confirmado na vida de Jó: “E o Senhor virou o cativeiro de Jó, quando orava pelos seus amigos;
e o Senhor acrescentou a Jó outro tanto em dobro a tudo quanto dantes possuía” (Jó 42:10). Vemos
a entrega para Jeová e o fardo e a amargura retirados do coração de Jó. Sem
dúvida, em parte, este foi o cativeiro que ele experimentou. Cada vez que
Satanás vier nos ocupar com um assunto que perdoamos, podemos nos lembrar: “Isso não é mais uma preocupação minha; eu
entreguei o assunto ao Senhor”. Além disso, como em Jó, Deus não será nosso
devedor. Ele nos dará algo melhor para estarmos ocupados.
Mateus 18 fala de
perdão – o Senhor usa o exemplo de uma dívida. O servo malvado fez justiça com
as próprias mãos e não liberou seus devedores de suas obrigações. O capítulo
conclui com: “Assim vos fará também Meu
Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as
suas ofensas” (Mt 18:35). Observe como o Senhor fala do perdão de coração. É mais profundo que
um mero perdão judicial, mas, por outro lado, não fala em perdão público nem em
reconciliação. É uma entrega para o Senhor.
Em Lucas 17, temos
ainda outro exemplo de perdão: “Olhai
por vós mesmos. E, se teu irmão pecar contra ti, repreende-o, e, se ele se
arrepender, perdoa-lhe” (Lc 17:3). Aqui, o perdão é expresso ao
indivíduo, mas é condicional. Depende do arrependimento. O coração do apóstolo
estava alargado (2 Co 6:11 – ARA) para a assembleia em Corinto, mas teve de
reprimir seu sentimento em relação a eles enquanto esperava palavra de Corinto.
Paulo queria saber como eles responderam à sua primeira carta. Que alívio e que
gozo foi quando ele finalmente ouviu Tito (2 Co 7:6). Eles realmente se
arrependeram: “Porque, quanto cuidado
não produziu isto mesmo em vós, que segundo Deus fostes contristados! que
apologia, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vingança! em
tudo mostrastes estar puros neste negócio” (2 Co 7:11). Como
consequência, a segunda carta de Paulo a Corinto é mais calorosa, e ele abre
seu coração e fala com maior liberdade. Se formos a parte ofensora, devemos ter
em mente que o arrependimento não é um fato no tempo, mas um processo. É tomar
o lado de Deus contra nós mesmos. Não apenas o assunto é julgado, mas há uma
mudança de conduta – no caso dos santos de Corinto, eles deram passos para
limparem-se do problema.
Muitas vezes confundimos perdão e reconciliação – ambos são
importantes. O perdão deve ser concedido diante de Deus assim que Ele tiver
realizado aquela obra de graça em nosso coração – e isso exigirá uma obra de
graça da parte d’Ele. “A graça de nosso Senhor Jesus
Cristo seja com o vosso
espírito” (Fm 25). A reconciliação, no entanto, pode levar mais tempo
e dependerá da conduta de quem ofendeu. Se a confiança foi quebrada, não é tão
facilmente restaurada. Deus não nos pede que exponhamos deliberadamente nosso
coração a mágoas[1]:
“Sobre
tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida” (Pv 4:23). Se tenho reputação de
não pagar minhas dívidas, não devo esperar que alguém me empreste dinheiro.
Embora a reconciliação possa não ser imediata, ela nunca deve ser
deliberadamente retida, nem podemos usá-la como desculpa para ser descortês ou
rude. Fazer isso indicaria que não perdoamos e queremos ter certeza de que a
outra pessoa pague o preço. Precisamos constantemente julgar os motivos e ações
de nosso coração diante do Senhor.
Nós não pedimos perdão. O modelo na Palavra de Deus é: “Se
confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os
pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 Jo 1:9). Nós confessamos; Ele perdoa. Pedir perdão muda
o foco para a outra parte; coloca a responsabilidade sobre eles. No entanto, se
alguém pedir nosso perdão, uma resposta graciosa será apropriada. Ou entregamos
inteiramente o assunto ao Senhor e não desejamos lembrá-lo, ou algo mais
profundo, do coração, se a questão for acompanhada de arrependimento.
[1]
N. do A.: Contudo,
quando nosso coração está magoado, temos um Amigo que pode restaurá-lo: “Enviou-Me a restaurar os contritos de
coração” (Is 61:1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário