terça-feira, 29 de setembro de 2020

Perdão

No décimo quinto capítulo de Deuteronômio, temos uma imagem útil do perdão: “Ao fim dos sete anos farás remissão. Este pois é o modo da remissão: Que todo o credor, que emprestou ao seu próximo uma cousa, o quite: não a exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois a remissão do Senhor é apregoada (Dt 15:1-2). No perdão, eu libero de qualquer obrigação e deixo essa pessoa com o Senhor. O perdão custa alguma coisa. No caso de uma dívida, eu não sou reembolsado. Deus é o nosso exemplo: nosso perdão custou a Ele Seu Filho amado! “Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo (Ef 4:32). Diante disso, podemos ter alguma razão para não perdoar? Em Romanos 12, lemos: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; Eu recompensarei, diz o Senhor” (v. 19). “Eu recompensarei” não se refere ao devedor, mas a nós. Embora o perdão nos custe algo, o Senhor compensará amplamente a diferença.

O perdão é menos sobre esquecer e mais sobre escolher não se lembrar. É útil reconhecermos isso; caso contrário, Satanás valorizará nossas lembranças. Muitas vezes não esquecemos – as cicatrizes podem permanecer conosco para sempre. Podemos, no entanto, com a ajuda de Deus, optar por não nos ocuparmos mais com o fato. Sobre Jeová, a respeito de Israel, lemos: “Porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais Me lembrarei dos seus pecados (Jr 31:34). O perdão é uma responsabilidade que cabe a nós – o ofendido. Deus nos mandou perdoar. É uma escolha consciente.

Achamos difícil perdoar porque não é natural. A carne sempre resistirá ao perdão. Contudo, ao deixar a pessoa e a ofensa com o Senhor, o fardo é retirado de nosso coração. Vemos isso maravilhosamente confirmado na vida de Jó: “E o Senhor virou o cativeiro de Jó, quando orava pelos seus amigos; e o Senhor acrescentou a Jó outro tanto em dobro a tudo quanto dantes possuía” (Jó 42:10). Vemos a entrega para Jeová e o fardo e a amargura retirados do coração de Jó. Sem dúvida, em parte, este foi o cativeiro que ele experimentou. Cada vez que Satanás vier nos ocupar com um assunto que perdoamos, podemos nos lembrar: “Isso não é mais uma preocupação minha; eu entreguei o assunto ao Senhor”. Além disso, como em Jó, Deus não será nosso devedor. Ele nos dará algo melhor para estarmos ocupados.

Mateus 18 fala de perdão – o Senhor usa o exemplo de uma dívida. O servo malvado fez justiça com as próprias mãos e não liberou seus devedores de suas obrigações. O capítulo conclui com: “Assim vos fará também Meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas” (Mt 18:35). Observe como o Senhor fala do perdão de coração. É mais profundo que um mero perdão judicial, mas, por outro lado, não fala em perdão público nem em reconciliação. É uma entrega para o Senhor.

Em Lucas 17, temos ainda outro exemplo de perdão: “Olhai por vós mesmos. E, se teu irmão pecar contra ti, repreende-o, e, se ele se arrepender, perdoa-lhe (Lc 17:3). Aqui, o perdão é expresso ao indivíduo, mas é condicional. Depende do arrependimento. O coração do apóstolo estava alargado (2 Co 6:11 – ARA) para a assembleia em Corinto, mas teve de reprimir seu sentimento em relação a eles enquanto esperava palavra de Corinto. Paulo queria saber como eles responderam à sua primeira carta. Que alívio e que gozo foi quando ele finalmente ouviu Tito (2 Co 7:6). Eles realmente se arrependeram: “Porque, quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós, que segundo Deus fostes contristados! que apologia, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vingança! em tudo mostrastes estar puros neste negócio” (2 Co 7:11). Como consequência, a segunda carta de Paulo a Corinto é mais calorosa, e ele abre seu coração e fala com maior liberdade. Se formos a parte ofensora, devemos ter em mente que o arrependimento não é um fato no tempo, mas um processo. É tomar o lado de Deus contra nós mesmos. Não apenas o assunto é julgado, mas há uma mudança de conduta – no caso dos santos de Corinto, eles deram passos para limparem-se do problema.

Muitas vezes confundimos perdão e reconciliação – ambos são importantes. O perdão deve ser concedido diante de Deus assim que Ele tiver realizado aquela obra de graça em nosso coração – e isso exigirá uma obra de graça da parte d’Ele. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito (Fm 25). A reconciliação, no entanto, pode levar mais tempo e dependerá da conduta de quem ofendeu. Se a confiança foi quebrada, não é tão facilmente restaurada. Deus não nos pede que exponhamos deliberadamente nosso coração a mágoas[1]: Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida (Pv 4:23). Se tenho reputação de não pagar minhas dívidas, não devo esperar que alguém me empreste dinheiro. Embora a reconciliação possa não ser imediata, ela nunca deve ser deliberadamente retida, nem podemos usá-la como desculpa para ser descortês ou rude. Fazer isso indicaria que não perdoamos e queremos ter certeza de que a outra pessoa pague o preço. Precisamos constantemente julgar os motivos e ações de nosso coração diante do Senhor.

Nós não pedimos perdão. O modelo na Palavra de Deus é: Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça (1 Jo 1:9). Nós confessamos; Ele perdoa. Pedir perdão muda o foco para a outra parte; coloca a responsabilidade sobre eles. No entanto, se alguém pedir nosso perdão, uma resposta graciosa será apropriada. Ou entregamos inteiramente o assunto ao Senhor e não desejamos lembrá-lo, ou algo mais profundo, do coração, se a questão for acompanhada de arrependimento.



[1] N. do A.: Contudo, quando nosso coração está magoado, temos um Amigo que pode restaurá-lo: “Enviou-Me a restaurar os contritos de coração” (Is 61:1)

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